18 de nov. de 2010

Embaraço das tecelãs

Trançaram-lhes as mãos, e já não era mais possível tecer as linhas que costuravam-nos o destino. Embaraçadas, as tecelãs se desculpam; e enquanto tentam desfazer os nós, fios e fios passam desencontrados, sem quem os dê direção. Em meio a esses, eis que um resolve timidamente embaralhar-se a outro, também perdido logo ali. E perdidos, ambos vagam a esperar que resolvam-se as mãos das tecelãs, para enfim os costurar.

5 de nov. de 2010

8 minutos

B: Você não devia ter feito aquilo.
A: Por que?
B: Porque não. Porque é errado.
A: Errado?
B: Sim, errado. Não era dia, hora, lugar. Estava tudo tão errado que me recuso a explicar.
A: E por que você fez aquilo?
B: Como é?
A: Sim, oras. Você fez. Eu fiz, você fez.
B: Não inverta a situação. A culpa é sua.
A: Culpa? E desde quando há culpa?
B: Desde que você fez algo errado.
A: Eu não fiz nada de errado.
B: Claro que fez! Você não devia ter feito aquilo naquela hora, daquele jeito.
A: Fiz como sei fazer, quando achei que devia. Não há erro.
B: Não estamos mais falando de erro. Estamos falando de culpa.
A: Só há culpa se há erro, e só há erro se há regra.
B: O que você fez foi errado.
A: Por que a pressa em julgar?
B: Porque você errou. Deve assumir a culpa.
A: Não tenho culpa. Não me sinto culpado.
B: Pois deveria.
A: Você se sente?
B: Por que me sentiria?
A: Eu fiz, você fez.
B: ...
A: Não precisa assumir.
B: ...
A: Não precisa sentir também. Não há culpa. O mundo não é assim tão racional. Motivos, razões, regras e lógicas não são obrigatórias. Certo e errado só existem da perspectiva de quem quer julgar, e quem julga se torna mais observador do que personagem da sua própria história.

2 de nov. de 2010

10 Minutos


A: Precisamos conversar.
B: Estou aqui. Diga.
A: Não, você não entendeu. Precisamos conversar, assim, de verdade, sabe? Sentar cara a cara e falar.
B: Estamos aqui, não estamos?
A: Não é bem disso que estou falando...
B: E que tanto você tem a me dizer? Pare de estimular minha curiosidade.
A: Não é isso, se acalme. Só precisamos... de um tempo... um tempo, juntos, sentados, conversando.
B: E por que esse desespero?
A: Não é desespero. Eu só quero conversar. Preciso. Precisamos, digo.
B: Quem disse que eu preciso? Ou que você precisa? Você quer, é diferente.
A: Não, eu preciso. Mesmo. E você também, acho.
B: Ah, além da curiosidade você vai cutucar minha paranóia também?
A: Desculpa.
B: ...
A: ...
B: ...
A: Então... Precisamos conversar.
B: Fale de uma vez. Estamos os dois aqui já há um bom tempo e tudo o que você fez foi sentar aí com o olhar perdido, soltando suspiros e dizendo que precisa conversar.
A: Precisamos.
B: Precisamos, que seja. Desembucha de uma vez, que já estou me irritando.
A: Sei lá.
B: Como assim sei lá? Você não disse que precisava conversar? Pois comece.
A: Não precisamos conversar. Quer dizer, precisamos. Só não assim...
B: ...
A: Não tenho nada a dizer, só preciso conversar.
B: ...
A: Desculpa.
B: ...
A: Não, desculpa não. Não tenho porque pedir desculpa.
B: Você se desculpa por tudo.
A: Sempre.
B: Inseguro.
A: Sim, inseguro. Nunca neguei.
B: ... pois pare.
A: Eu tento.
B: Tente mais.
A: Prometo.
B: Viu? Estamos conversando!
A: É. Ou quase isso.
B: ...
A: Eu preciso conversar. Como antes, sabe? Como quando não precisava tatear ou pensar nas palavras. Preciso conversar como se estivesse respirando. Para poder respirar. Conversar me ajuda a respirar. Com você, no caso. Algo assim.